domingo, 9 de setembro de 2012

O julgamento e o peso da legalidade de uma hipótese.

Eu preferia ter estudado e ido bem nas avaliações - provas de meu interesse, na visão dos professores -, garantindo meu crédito àqueles que têm a chave das portas certas para que eu possa seguir a trajetória que sempre sonhei. Sonhei ou aprendi a sonhar? Já não sei, sob esse mercado de capital, eu tão introspectivo, tão inquieto, tão necessariamente solitário e triste. Verdadeiramente me cansei. Com todo o meu phisy, ou o que quer que seja a composição da matéria profunda de nós mesmos. Passo meu tempo imaginando cenas absurdas, imaginando que sou um rei de qualquer coisa, que meu corpo não está mais entupido de maconha, que eu não preciso daquele tão singelo álcool para saber me colocar. Meu êxtase profundo de chegar um pouquinho perto de mim, e sentir bem apertado o coração sendo fisgado pelo anzol da vida comendo a vida. Agora querendo bater as cinzas dos cigarros que eu perdi a coragem de fumar. No começo desse ano, larguei minha matrícula em uma excelente faculdade porque preferi ficar com minha banda iniciante de rock, ou de rock iniciante. Foi exatamente o que fiz e queria ter feito, e gostaria de estar fazendo agora. Largar tudo, cair na estrada e entender meu caminho, na maior solidão. Minha banda era a coisa mais excitante que já me ocorrera. Eu queria comer a Cherie Currie. Queria beijar o olho cego do Bowie. Desisti de minha carreira acadêmica por uma única razão: desejo. Quis insuportavelmente sexo, violência e rebeldia. Contra tudo e contra o nada. Porque somos filhos sem pai. Porque sou parte de um grupo de veados apontados na rua. Sou amigo de putas apontadas na rua. Não temos a menor chance com essa sociedade, não há o que façamos para que isso mude. Sei que nesse mundo a vida que gostaria de levar seria bem diferente da que levo. Diferente, e impossível. Eu não tenho inteligência emocional para isso, perdoem-me. Agora que minha banda se afundou, que nada deu certo porque cada ordinário que eu tanto amei quis uma coisa diferente, estou em outra faculdade, em outro trabalho, seguindo o que é sensato. Estou completamente destruído, e, no entanto agora tenho onde me posicionar na sociedade e no mundo. Tenho prazeres mais puros, como conversas com pessoas de alma boa, em sorveterias e praças, sem drogas, sem riscos, sem a revolta burra da juventude. No entanto, essa paz não me alimenta tão bem. Talvez eu seja regido pelo inferno. Nem transar eu consigo porque aquele tempo inteiro de promiscuidade me traumatizou. Pode ser que por um milagre eu impressione o corpo docente através de minha ótica pessoal. A exatidão das ciências é o que nos faz sentir que fracassaremos. Quero humanidade, inconstância. Posso ser de fato um vagabundo como já ouvi, mesmo pagando minhas contas e garantindo o meu sustento antes mesmo de atingir a maioridade. Quero é ir para o rock, para os tablados encenar, contudo não vou, não quero mais, não posso. Nesse momento em que falo, sei plenamente que morri. Morri para mim mesmo, nunca mais quero saber de mim. Pego todo o meu pecado e vou ao encontro de uma porta, pronto a espancá-la até minhas mãos sangrarem, chorando, chorando muito, gritando, gago, sem espaço dentro de mim mesmo. Até que a porta não abra. Até que a porta não abra. Até que a porta não abra. Até que eu perceba que a culpa é minha e fracassei, e peça como quem pede uma esmola um pouco de amor para que isso me conforte. Em vista de não me atirar de um precipício, da altura de um enorme prédio, de não cortar os pulsos e ver o licor escarlate escorrer, de não criar meu romance de guerra, de não querer a forca, o gás do fogão, a carona até outro lugar onde eu possa me acabar aos poucos, o susto, o desespero, o abandono, a cara de insatisfeito, a sensação de incompetência, o imprudente direito de sonhar. Em tudo isso eu me descontrolei. Por isso terminei por procurar esse recanto, que vejo como uma quase clínica de alienação, que chamo de colocação no mundo e na vida, dentro de uma família - o que temos por aceitação. Toda vez que me reúno com meus amigos, àqueles que fariam algo pelo mundo assim como eu, os sensíveis, artistas, incansáveis, todos revelamos uma mesma intimidade ao outro: somos os natos perdedores desse planeta, somos estrangeiros na Terra, e o mundo nos rejeita como qualquer corpo repele um organismo estranho.