quinta-feira, 25 de julho de 2013

Perdoe-me, Folha Seca.


Delicadeza tua: escorre-me dos dedos, a arraigar a terra...
Procurando a luz,
vejo raízes ganhando vida para além do céu.
Mantenho-me abaixo da terra:
semente e quietude.
Os transeuntes se perderão à minha vista
[que se apaga],
rogo-lhe que se lembre
dos segredos que cultivei em tua pele...
A hidratação das folhas se conteve como meu amor pelo mundo.
Não estou gelado, contudo emudeci.
Nada sei agora e precisaria esperar até a madrugada acabar para sabê-lo
Só [mente] fora do esconderijo,
verdades tuas enraízam-me.
Cicatrizes de esperança:
tento cantá-las,
fogem -
senão pelo fato
de que as amo tanto que matá-las-ia
para que não fugissem.
Minhas últimas pétalas perderam-se no [não] eterno de meus outros olhos;
teus.
 
(João Gabriel Bruscato Mistura)
 
PERDOE-ME, FOLHA SECA.
                                              (Por Stefani Costa)
 
Humildemente
 
Peço licença para contemplar a Folha Seca
 
[tão seca tão esmagada]
 
O barulho do vento faz balançar a poesia de menina
 
[ela corre, o cabelo voa]
 
No outono de 1977 – uma linda rosa se foi:
 
[ninguém pisou nas pétalas enraivecidas]
                                           
Perdoe-me, Folha Seca
 Por tamanho descuido com tua fibra inquebrável 
 
No andar calmo do homem generoso
 
A capa de chuva protege inúmeras lágrimas
 
[elas se movem, não se enxugam e se misturam com a água]
 
As mãos negras encobrem o rosto por onde passa a estupefação
 
[o peito vibra e debruça tudo em formato de eternidade para o Universo]
 
Uma gota exultante mais uma vez recai sob a Folha Seca
 
[a rosa nos observa do céu – serena]
 
Texto inspirado no ensaio fotográfico de Silvia Ferrante — intitulado por mim e por João Gabriel Bruscato Mistura: “Perdoe-me, Folha Seca”.
 
Inspiração necessária após a leitura do romance de Rosinha e Bilú; frutos de um amor disputado entre os dogmas da Igreja, da aristocracia rural sanjoanense, e dos grandes suspiros de elevação ao mais sublime sentimento de todos.
 
(Rosinha morreu em fevereiro do ano de 1977. Mas por causa do título e do “tema” das fotos - eu modifiquei a estação do ano para o Outono - para assim prevalecer o intuito da folha seca. Esta é a única parte em que não fui fiel à história original do livro “A Primeira Dama”, de Silvia Ferrante).
 
("Perdoe-me, Folha Seca" é um trabalho com um poema de João Gabriel Bruscato Mistura e um de Stefani Costa (http://asmaosdojoalheiro.wordpress.com) em agradecimento à Silvia Ferrante, que nos convidou a registrar a vida em fotografias numa velha estação).

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Human[idade]


Madrugada ascendia. A senhora se in-qui-e-ta-va.
Amassar o pão... Sim: tranquilo e branco,
                                                                              [fazer]
o pão dos estranhos, matéria de salvação e ternura,
a massa se revelando – cor e forma – no calor. Cascas
estalando, comer arestas de vida, Pequenos Embriões
                                                                        de Deus.
A mágica do refazer diário vencendo
o limite – impossibilidade dos olhos
Velha e cega em conexão com a fome
                                                                        [alheia]
enterrava os dedos escuros na farinha
                                                                         [branca]
criando as receitas novas. Ao término,
                                                                         [nunca]
revia, ninguém anotava.
Bebia o copo fundo de alegria, ascen-
dia-se com o amanhecer: depositar na
janela, sobre a bandeja de bambu que
ela mesma fizera: o banquete de pães
frescosquentes (ah...!) à venda. Pouco
lucrava, sobrevivia. Assim escolhera e
- brisa leve e morna no coração -
encantara-se.
Após terminado o trabalho, em amor
- num gesto de prosseguir -
deitava-se, exausta, e por ter nova-
                                               [mente]
concluído a magia
e o suor: sonhava.

sábado, 20 de julho de 2013

VELHA EM MIM

Certa vez, quando ainda era jovem
Endividei-me, deslumbrado, com equipamentos
que cumpririam meu sonho de juventude
Caixas de som, jaquetas, microfones e um violão

 
Meus sonhos se foram
com a necessidade da vida de se seguir
E eu que pagava transporte para trabalhar
Fixei-me na ideia de não mais gastar dinheiro
em casos de inclinações


Em um fim de tarde, voltando do trabalho
deparei-me com uma senhora vendendo mel
No mesmo instante fechei meu mundo para o dela
Afim de que ela não levasse aquilo que era meu
Percebendo, ela se dirigiu a alguém que estava ao meu lado
Nunca a mim


E lhe pediu vinte reais por uma garrafa de mel da melhor qualidade
Sem sucesso, baixou a oferta para quinze
e depois, com olhos de quem procura em algo sem sabor
uma gota de esperança para manter-se lutando
(quem sabe se não por filhos pequenos)
implorou suavemente: ‘nem dez reais você não tem para me ajudar?’


Ouviu que não e seguiu em frente, sem nem falar comigo
que recusei sua proposta antes mesmo que a fizesse.


Senti dentro de mim que os sapatos daquela senhora
eram surrados como nada em mim foi, e suas pernas,
de tanto caminhar a procura de algo que o mundo esqueceu-se de ter,
estavam mais cansadas do que meu coração jamais estaria.


Nunca mais me curei da porção dela que ficou em mim.