segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Sinestesia do oposto.

"Escuta: eu te deixo ser, deixa-me ser então".
(Clarice Lispector)

É torturante viver algo que eu claramente deveria por natureza ignorar. Não como coisas ofensivas ao mundo, é o tempo distante de mim, como uma escuridão sem espaço pra criar através da arte: o oculto que me aguardara como transição a uma vida como se deve ser às vezes.
O tudo é o proibido. Como quando se é perigoso por algum motivo viver sua vida como ela é dentro de você, presa a uma corda fraca - quase uma cor-, prestes a arrebentar, desmoronar tudo em grandes segredos revelados e uma alegria imensa de eu ser quem sou.
Andar por caminhos descabíveis, apontado como um daqueles feitos em coragem devorada de vida, vulgarizados, sem padrão.
Sofrer em silêncio o amor calado. Quando um ser abandona o outro repentinamente e não se preocupa.
Os girassóis perdem a cor se as nuvens carregadas não despejarem seu pranto e se libertarem do rancor.
Nas atuais circunstâncias, vivemos um samsara - circulo vicioso - industrial. Produzimos à sobrevivência e consumimos suprindo a carência que uma vida global voraz cheia de ícones às informações e ocupações nos traz. Pessoas emitem sons e cheiros, criando barreiras, um escudo que os previne os olhares profundos, foge-se do que deve ser essencialmente delicado.
Viver é um deboche por si mesmo, enquanto a vida nos pisa a negação, exclamando que ela própria não nos vale a pena, nós insistimos em convencê-la de que sim. Um enorme teatro e um palco preenchido por inúmeras velas prestes a serem apagadas, ardendo a chama externa e envelhecendo interiormente.
Mas há a felicidade. Há algo que brota em uma nascente que engrandece a vida. Vem às vezes afogada em maya - ilusão - em meio ao deserto obscuro de nossos medos constantes e proibições acumuladas, nos fazemos possuidores de toda uma ina seca que não nos sacia a sede. Além, existe algo furtivo do ser que percebe sua ausência de si mesmo, vê-se no fundo de um túnel por onde caminhou e assustadoramente deixou-se atrás, violentamente perdido como nas águas negras de um coração sem expectativas, oculto pelo medo da prazerosa dor que a vida pode trazer rompendo a trilha indicada. Sentindo-se vivo em um silencioso espaço transitivo. Deve retornar e abraçar-se dentro do que tornara infértil e adormecido em si, antes que o oco esfumado o engula. Pois quando silêncio é de contemplação da paz das entranhas não se violenta o êxtase.
A alma se decompõe em uma morte quieta. Então o ser depara-se com o que não quer ver em si, e quando o sim e o não do ser entram em contato transborda um choque de ruídos e estrondos deslocando o que antes dormia. No ápice do contato entre o passado constituído e o que o ser abriga ansioso para buscar aos seus próximos dias, um pólen doce de girassol adentra o ar e descobre-se ali a felicidade. Àquele que é o digno amor, o medo, desespero, controle perdido, inveja, calor, mudo de rancor, doce, amargo, azedo, dor gritante e funda de compaixão pelos cegos que pedem esmolas, coragem de viver e gerar novas vidas, filhos de terra em ovário feminino e espinha do masculino. Prova-se dos segredos e morre-se, renova-se à vida, até virem novos segredos.
Felicidade é uma fome secreta.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

“Um copo perigoso de sede”.

Escrever é um vômito doce de meu único instinto voraz.

Minhas palavras me apunhalam e descem em pequenas doses. Um devaneio arrastado - sem mais enchentes antigas. É meu ovário que surge ao meu lado e completa o feminino e masculino em mim. Quando o lado mais oculto de minha alma me suplica, novamente eu me enveneno e revelo outra enchente, com um pudor quente chocando-se contra o frio fio fino de vida. Há também um período em que o ser vive quieto, como inseto esmagado sobre o chão no canto do cômodo. Sua entranha o entrega a uma melodia que o ensina a calar. Até novamente à renovação.

“O girassol em amarelado escurecido como morte.”

É curiosa minha piedade à dor alheia. Uma sombra que me move à pena de mim mesmo. Como se eu mantivesse o sentimento de culpa ao sofrimento do outro em troca da garantia de que irão culpar-se de mim. É como uma impossibilidade de sossego, um desamor sem limite.

Acreditar na pureza da terra alheia é meu segredo de infelicidade.