domingo, 5 de dezembro de 2010

Odisseia instrospectiva.

Enquanto o vento me toca na densidade intumescida da noite eu revelo o horror de meus segredos.
Melhor a rejeição declarada a um desamor quieto, saudade escorrendo, enfeitada a um presente.
Em noites exclusivas à fúria tranco-me em banheiros imundos nos fundos dos depósitos por onde passo junto a meus amigos dados às rebeliões e antes que a garrafa caia de minha mão trêmula e bêbada eu choro como se teu nome me fosse uma obrigação ouvida no peito.
Nem mais me adianta lamber outras bocas, teu cheiro quente, hálito de fome em manhã de chuva, quando nos encontrávamos proibidamente, escondido de quem te desposara em um lar aquecido e talvez correto julgando o século, não me liberta as narinas - apesar de tua ausência pesada.
Lembro-me em pecado sobre seu nome biblicamente usado e em mim perdido como vida entregue às ruas onde se diz o que não pode ser dito, se consome o que estraga a saúde.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Sinestesia do oposto.

"Escuta: eu te deixo ser, deixa-me ser então".
(Clarice Lispector)

É torturante viver algo que eu claramente deveria por natureza ignorar. Não como coisas ofensivas ao mundo, é o tempo distante de mim, como uma escuridão sem espaço pra criar através da arte: o oculto que me aguardara como transição a uma vida como se deve ser às vezes.
O tudo é o proibido. Como quando se é perigoso por algum motivo viver sua vida como ela é dentro de você, presa a uma corda fraca - quase uma cor-, prestes a arrebentar, desmoronar tudo em grandes segredos revelados e uma alegria imensa de eu ser quem sou.
Andar por caminhos descabíveis, apontado como um daqueles feitos em coragem devorada de vida, vulgarizados, sem padrão.
Sofrer em silêncio o amor calado. Quando um ser abandona o outro repentinamente e não se preocupa.
Os girassóis perdem a cor se as nuvens carregadas não despejarem seu pranto e se libertarem do rancor.
Nas atuais circunstâncias, vivemos um samsara - circulo vicioso - industrial. Produzimos à sobrevivência e consumimos suprindo a carência que uma vida global voraz cheia de ícones às informações e ocupações nos traz. Pessoas emitem sons e cheiros, criando barreiras, um escudo que os previne os olhares profundos, foge-se do que deve ser essencialmente delicado.
Viver é um deboche por si mesmo, enquanto a vida nos pisa a negação, exclamando que ela própria não nos vale a pena, nós insistimos em convencê-la de que sim. Um enorme teatro e um palco preenchido por inúmeras velas prestes a serem apagadas, ardendo a chama externa e envelhecendo interiormente.
Mas há a felicidade. Há algo que brota em uma nascente que engrandece a vida. Vem às vezes afogada em maya - ilusão - em meio ao deserto obscuro de nossos medos constantes e proibições acumuladas, nos fazemos possuidores de toda uma ina seca que não nos sacia a sede. Além, existe algo furtivo do ser que percebe sua ausência de si mesmo, vê-se no fundo de um túnel por onde caminhou e assustadoramente deixou-se atrás, violentamente perdido como nas águas negras de um coração sem expectativas, oculto pelo medo da prazerosa dor que a vida pode trazer rompendo a trilha indicada. Sentindo-se vivo em um silencioso espaço transitivo. Deve retornar e abraçar-se dentro do que tornara infértil e adormecido em si, antes que o oco esfumado o engula. Pois quando silêncio é de contemplação da paz das entranhas não se violenta o êxtase.
A alma se decompõe em uma morte quieta. Então o ser depara-se com o que não quer ver em si, e quando o sim e o não do ser entram em contato transborda um choque de ruídos e estrondos deslocando o que antes dormia. No ápice do contato entre o passado constituído e o que o ser abriga ansioso para buscar aos seus próximos dias, um pólen doce de girassol adentra o ar e descobre-se ali a felicidade. Àquele que é o digno amor, o medo, desespero, controle perdido, inveja, calor, mudo de rancor, doce, amargo, azedo, dor gritante e funda de compaixão pelos cegos que pedem esmolas, coragem de viver e gerar novas vidas, filhos de terra em ovário feminino e espinha do masculino. Prova-se dos segredos e morre-se, renova-se à vida, até virem novos segredos.
Felicidade é uma fome secreta.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

“Um copo perigoso de sede”.

Escrever é um vômito doce de meu único instinto voraz.

Minhas palavras me apunhalam e descem em pequenas doses. Um devaneio arrastado - sem mais enchentes antigas. É meu ovário que surge ao meu lado e completa o feminino e masculino em mim. Quando o lado mais oculto de minha alma me suplica, novamente eu me enveneno e revelo outra enchente, com um pudor quente chocando-se contra o frio fio fino de vida. Há também um período em que o ser vive quieto, como inseto esmagado sobre o chão no canto do cômodo. Sua entranha o entrega a uma melodia que o ensina a calar. Até novamente à renovação.

“O girassol em amarelado escurecido como morte.”

É curiosa minha piedade à dor alheia. Uma sombra que me move à pena de mim mesmo. Como se eu mantivesse o sentimento de culpa ao sofrimento do outro em troca da garantia de que irão culpar-se de mim. É como uma impossibilidade de sossego, um desamor sem limite.

Acreditar na pureza da terra alheia é meu segredo de infelicidade.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Inibição do que se diz da fome.

Estrutura-me, porque hoje estou capaz de entrar em meus segredos mais perigosos junto àqueles que me ferem, a troco de uma mínima carícia, me estrutura porque é hoje e sou capaz de acreditar em uma fuga eterna de felicidade maquiada, estrutura-me porque acreditei na mentira orgânica e que a verdade é fictícia, estrutura-me, estou capaz de pregar apologia a pecados repletos de mesquinharias só para ofender qualquer deus que tenha abandonado minha causa, me estrutura porque me desconsiderei e até quero amar quem me vulgariza, estrutura-me antes que eu adentre à noite cedendo à ela minha degustação que esgota, estrutura-me, expulso minha alma e fujo em agonia de animal ante predador, estrutura-me porque tenho certeza que sou cantor de rock e penso em me declarar a uma garota, estrutura-me pois experimentei saliva do presente e gostei, mas o passado impregnado à pele não me permite saber escapar, me coloca em estrutura porque revi meu filme admitindo as cenas clandestinizadas, meu delírio mais voraz odeia Vênus e essa é minha atual plenitude enquanto converso com os iniciantes da escrita sobre as pedras, me estrutura, há dias não estou limpo embora me lave, dê-me estrutura pois o buraco negro no espelho cospe em minha cara minha impotência e falta de coragem pra fuga em relação ao lar, estrutura-me, soube que vivo minha época e nem sou algo específico, estrutura-me: o corpo diz ‘heróis antecedem o falecimento na overdose’; contudo não ouso desapontar os bons costumes e quem me criara a proteger-me do mundo, me dá uma estrutura qualquer, nem mesmo anseio acender um cigarro e explodir contra mim o gás do fogão, me estrutura, é que vi que cortar os pulsos já se fez caótico e nem isso ainda é romântico, estrutura-me pois brinquei de fantoche entorpecido por todo o dia e senti o enjoo originário da falta de crença no próprio jogo, estrutura-me, desconheci meus documentos e o caminho de volta ao lar cuja porta não atravessara, perdi o medo dos espíritos noturnos e até relaxei no escuro, então me conceda uma gota de sua estrutura – aquela cuja fonte não sacia ninguém -, perdi o sabor de satirizar a vizinhança, então me estrutura, e meu corpo já nem tem mais forma e eu não me preocupo em resolvê-lo, eu mudei de sede, não há sede de beber os outros, é apenas sede, eu aprendi que não são os codinomes que me escondem de mim mesmo, me estrutura pois hoje eu me desculparia com meu pai acreditando que ele é quem me desapontou, eu apagara meus traidores sem saudade ou amargor do peso do que fora, lá fora muita gente ri e fala pra esquecer da própria angústia, por isso me mantenho trancado neste cômodo frio, estrutura-me, estrutura-me, as ruas são perigosas e eu quero beijar na boca de uma garota de dezesseis anos que a vida me apresentou por cortesia, sou capaz de ser convincente ao declamar minha capacidade, andei descalço e nem me intimidei em ser feliz, me estrutura porque sei que o próximo ano será melhor e terá a presença de seres cujas cores não me são confusas, uma maçã tem mais pecado que uma dose de conhaque, mesmo sendo pêra, é a extremidade ampla de minha libido quando os olhos de dezesseis anos de uma flor invadem os mesmos que sempre foram meus e já não me são tão tristes, sabe que eu até tive esperanças no governo e não odeio? Estrutura-me porque acreditei que mataríamos a sede dos africanos e nutriríamos os sertanejos, assim como protegeríamos as crianças da violência sexual nas favelas, então me estrutura, hoje eu compraria um cãozinho pra alegrar uma cabana e pediria àquela menina que fugisse comigo, o nome do animalzinho teria a origem que ele preferisse pois ela, é claro, tem bom e fino gosto, e por ela eu até passearia com o dog no calçadão de Copacabana, enfrentando os olhares repreensivos dos amigos e até de meu chefe, ah, estrutura-me, não me parece que dormirei esta noite, no entanto quero acordar bem cedinho amanhã e melhorar meu dia, creio no despertar de um sono que não me ocorre, é porque analisando, grande parte do concreto é mentiroso e nossa mente registra o inexistente – a verdade é mais certa quando é relativa.
Essa noite a lua brinca como uma moleca, me escapam os pesadelos e dou lugar a sonhos bons, oriundos do sorriso da dama de dezesseis anos, ela jamais aceitará minha proposta pois as verdadeiras damas se negam a dizer ‘sim’, quem sabe me afirme o ‘talvez’ – quase o sim pois tratamos de uma dama -, o não é à margem do talvez e não se manifesta através de nunca, mas eu a surpreenderei trazendo-lhe uma flor roubada do jardim de um daqueles casarões centenários cujo dono é um mistério, transbordarei na dama minha alegria estupenda em vê-la de tal modo que ela sorrirá a mim e adiará meu nunca, de quando em quando, até minhas mãos tocarem-na nos braços e ela se sentir segura, eu darei a ela a estrutura que o mundo me custara, desconhecendo estratégias de amantes bem vividos – mesmo tendo provado um bocadinho de vida -, prefiro bancar o meninote desestruturado e estar límpido à dama, que ela receba meus versos e me deixe recebê-la nos braços, e eu possa pedir a Deus que cuide somente dela quando for me deitar, prometerei ser bom moço, preocupado com minhas roupas diante dela atingindo uma maneira estranha e deslocada de me comportar, meu cabelo nem sequer me permite bancar o Elvis, ela verá em mim o delicado existente no contato de homem com mulher, eu beijarei suas mãos todos os dias e me desculparei por meu erros cotidianos, se ela se cansar de mim eu terei de roubar mais flores em novas casas, mesmo uma casinha com lareira e fogão à lenha, eu a levaria até lá para uma festa surpresa em seu próximo aniversário, me encantaria por ela em cada nova idade alcançada, pois todo beijo ainda é o primeiro quando o poeta de segunda mão se encanta pela dama que ele vê sorrir.
Sempre sentindo uma necessidade repentina de destacar papel de caderno velho, rabiscar um versinho cheio de ternura, à dama mais bonita da cidade.
Veio-me das profundezas de mim mesmo uma estrutura de natureza, o radium do mal e a sutileza pura do bem, mas eu não me esqueço de que na negatividade também há uma dose essencial de pureza pra que exista a essência real de se ser. Porque quando o ser humano descobre a própria fome descobre a si mesmo, e parte em busca da saciação de seus estímulos, iniciando um eterno ciclo de desvirginar-se a si mesmo. Às vezes o céu não me convém, então prefiro inferno, em todo caso, procuro desvendar o prazer da fome.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Romeu e Virgínia Woolf.

- Esse, define todo um universo que é só meu e teu.
Ele retirou do bolso um papel um tanto amassado e deu à ela, pedindo que lesse, os dois iniciando assim o que haviam previamente preparado ao cabo das horas àquela noite.
- Já conhecia Saramago?
- É. Eu comentei algo com você sobre um livro que peguei na escola, lembra-se?
- É que sempre estamos lendo tanto a vida através de tantas coisas...
Ela sorriu como alguém que entende. E os corações, ali, entendiam.
Enquanto isso uma garota de cabelos modernos, à margem da mesa, olhava preocupada com aquela fumaça que a nicotina desenhava pela atmosfera que era apenas dos dois. Mas certamente a convidariam àquele mundo. Sim. Sempre estivera junto a eles.
Ao redor das latas longas e vazias iluminadas por uma única vela, de um alaranjado triunfal, situada ao centro da mesa, a política brasileira era discutida com o tom de insegurança própria a todas as gerações. Alguns entendendo e outros não querendo entender. Talvez ninguém entendesse. Na verdade, não era do que queriam falar.
Um garoto um pouco incomodado com o passado refletia sobre assuntos enterrados e incomodava às vezes. Mas ele era parte e contraste. Na mesa havia também uma criança, ciente de ser criança, sem álcool, sem nicotina, e ao mesmo tempo sem padrão e medo dos que ali estavam.
Uma das garotas da mesa resolveu levantar e se aproximar da piscina, junto àqueles que dançavam. O garoto que utilizava Saramago em sua carta a seguiu para conversar.
Antes disso, essa garota havia saído com outros pra comprar cigarros, e os jovens entrelaçados por Saramago ficaram a sós na mesa nova originária.
Depois da piscina, havia uma varanda de onde vinha a música. Eram tantos tão poucos que se completavam, um conjunto de magoados e felizes ao mesmo tempo. Pessoas que viam na relva uma perspectiva. Pessoas de humores traídos e amores limpos e pessoas de Saramago.
O garoto escritor tocava as mãos da garota que ele reencontrara e descobrira que também escrevia. Os dois haviam ficado tão diferentes e a conexão era mantida. Ela havia alisado os cabelos em um tom mais civilizado, que a trazia algo a mais de maturidade. Enquanto ele encurtara os seus em um ritual vaidoso de praticidade.
Quando a garota dos cigarros se levantou e seguiu para a trupe falante que dançava em torno da piscina, e o garoto da carta de Saramago a seguiu, seguiram-lhe também a garota de cabelo moderno e incomodada pela nicotina, ela precisava falar de um torpedo que um homem a mandara, e que esse homem, sim, era um homem.
A garota que recebera o papel amassado e com rasura, letras copiadas de um texto de Saramago também os seguiu. A garota dos cabelos modernos foi-se para a grama conversar com o garoto que entregou, bem de tardezinha - porque início de noite é durante a madrugada - o papel com o texto à garota pura com certo tom de maturidade. Lá os dois conversavam sobre peças de teatro e sobre os corações dos dois. Eram amigos de verdade. Às vezes aproximavam-se os outros, e o menino preocupado com o passado acabou ficando num canto conversando com a menina que ainda era uma criança, mas já compreendia, e ele falava e ela ouvia. A menina que recebeu a carta se pôs a recitar Caio Fernando Abreu com a garota dos cigarros, e o menino que levou a carta ficou abraçado à menina que temia a fumaça dos cigarros, aos poucos eles uniam-se em uma pequena roda. E ficavam em perfeita sintonia, sob a voz de duas garotas que já se faziam aos poucos mulheres.
Na varanda de onde vinha a música permanecia uma geração mais experiente, contudo, com a mesma fome juvenil dos garotos que faziam uma roda que não era bem de cantiga sobre a grama. Ao término do texto a roda se separava em novas duplas. O garoto da carta conversava com a garota dos cigarros que lhe contava um episódio sobre a noite anterior. Os dois passaram a se lembrar de como se conheceram e como a garota dos cigarros entrara na vida do garoto que escrevia cartas.
- Foi muito bom quando você veio. Como um astro, uma estrela-cadente que aparece repentina e trazendo luz e coisas boas.
- Você tem um coração enorme, disse ela, e disse a ele também que em cada ser humano existe todo um universo, e esse universo é sempre lindo.
Ao ouvir a citação que a garota dos cigarros fazia de si mesma, o restante se aproximou e todos ficavam emocionados. O garoto das cartas retirou um aparelho celular Z-3 bastante surrado do bolso e escreveu a duas pessoas que ele queria que estivessem ali, mas não estavam. Era um homem e uma mulher.
A garota que não gostava de cigarros e encantava homens por sua natureza final compartilhava com ele o desejo daqueles dois indivíduos ausentes que deveriam também estar lá. A mulher respondeu a mensagem, iniciando um diálogo coletivo através da tecnologia que só terminou com o término da noite.
Os jovens falavam também um pouco sobre família, sobre vida. Era uma noite com essência de origens.
Quando eles foram embora, o garoto das cartas sentia o prazer de ter amado a garota pra quem ele escreveu. As palavras não eram de Saramago. O autor fora à citação que iniciou a conversa e fez com que os dois se reconhecessem. "Você soube? Saramago faleceu...".
Enquanto isso ele já sentia a adrenalina de querer retirar o guardanapo do bolso e entregar a ela. Estava um pouco tímido pela simplicidade do papel e mais ainda pela simplicidade dos versos que poderiam ser fiéis. Ela, que era Aquariana, o respondeu que pessoas como Saramago estão sempre vivas e perguntou qual era o nome do rapaz de Escorpião.
Deitado em sua cama ele podia sentir o toque dos lábios dela com toda sua alma. Mas ela havia voltado pra cidade onde morava e os lábios nem mesmo haviam se tocado.
Naquela noite os beijos eram espirituais.

(Dedico à Renata Quintieri, por toda vida e inspiração que me transmite)

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

O homem que não amava ninguém.

"Eu te dou pão e preferes ouro. Eu te dou ouro mas tua fome legítima é de pão".
(Clarice Lispector)


Hoje me torno andarilho de asfalto. Invadirei o solo proibido de um campo minado, semelhante àqueles que procuram um porão infecto a se sentarem nus, encurralados pelo excesso de presenças e de ratazanas e homens que assumem almas ratazanas.
Esses focos escuros de uma névoa - nova era literária - me consomem e faz em mim necessidade. Meu erro me persegue, me arranha, me põe fogo. Em meio às tantas tropas, centenas de policiais com as centenas de armas prontas a um novo golpe que mudaria o curso por todo o final. Eu cansado e estas sombras me mastigando a pele e roendo os ossos.
Repito: saboreie o ódio e aquela raiva tardia dos homens de quase uma idade inteira.

Uma massa se movimentara dentro de mim e reclama autonomia. Como alguém que sou, mas ainda não vindo à tona, desvendando meus segredos. Agora deslocado. E como me preenche saber estar deslocado... Procurando recanto, postura. Que a massa se acalme e haja sintonia entre o que era e o que é até virem novos segredos.

Sobre calçadas por onde me sentaria, encostado à árvore; a atmosfera encharcada de radiação. O derretimento meu e só. Eu comeria o interior dos companheiros de ossatura alterada pela vida de rua. Depositando a mão crua em um recipiente retangular, onde se refugia o alimento - o muito do pouco que resta, talvez uma sopa; algo como uma massa. Pois eu também tenho a fome. Aquela que não chamamos fome, mas sabemos o quanto é. Eu terei o recipiente, a massa; abrigando mãos sujas e doentes cuja água jamais lavaria, são mãos culpadas pela massa que o outro come. As mãos tristes levariam o alimento à boca de quem tem o próprio estômago desesperado. Eu não notaria os transeuntes. Eu teria um bloqueio. Em odor que funciona como grades, uma ingenuidade transformada em radar. Eu vagarei pelas calçadas de asilo implorando um prato de sopa fria em meio ao calor escaldante. Vestindo roupas mornas sempre sujas e as mesmas como pisar no solo proibido de um campo minado.

Ao recompor-me de um amor traído, pouco me renasci e vem-me outro, e corrói.
Deitado à cama. Cansado e violado. A transpiração me pesava contra os lençóis e me proibia de levantar-me. Pensava em tudo, todos. Eu seria o próximo amaldiçoado da arena, sentia que seria eu. Um vento fraco, que mais era um sussurro, me tocava no corpo. A sensação entorpecente de ser liberto do raciocínio, escapar dos turbilhões daquela cidade que o mundo concebera e era um projeto de mundo. O sussurro começava a me aquecer e meu rosto emanava o líquido que valeria como certeza, semblante mascarado de suor e saliva que escorre como lágrima e um pouco de sangue do nariz.

Quando uma superfície adesiva encontrou a minha. (...) Um tato neutro de temperatura.

Áspero que se derretia. Soube que seria eu, o visitado por um demônio; a vida me reservara esse acolhimento de lama. Era a mim um intenso desafio o de me mover, e paralisei. Nada. Por favor: nada. Meus olhos foram aprisionados pelo teto que não me permitiria oscilar, ver, seria a entrega total; a aceitação. Eu havia sido o escolhido, o que faria eu de mim: o então. Vinham-me vultos e risos e diversos cheiros de fêmea. O sangue de mãe que me lacrara e afastara-me do mundo, eu banhado em placenta oriunda de salvação garantida. Meu corpo formulava aos poucos um formigamento vagaroso das entranhas, algo que me vinha como um vômito de todos os gritos das almas aflitas. Tudo aquilo aquela mão fundida ao alto de minha cabeça circulava por meu corpo, era eu um feto mal gerado, interrompido e tóxico. O calor me subia do estômago e começava a queimar, estremecer a nostalgia do nojo desconhecido. Eu pertenceria àquela lava que me sufocava a garganta, e, como se uma rocha me esmagasse no estômago eu soltei um vômito de sangue carregado de partículas grossas como asas de insetos. Minha respiração passou a sacudir o corpo, o peito levava baques de si próprio e os soluços engasgavam aquele choro.
Eu queria grunhir e esfarelar todos os edifícios, ver a cidade inflamada pelo calor de meus poros, seria meu espetáculo de tristeza. Eu me entregava aquele sono profundo de loucura. Um transtorno seria mais pleno que as mentiras que eu vivi e fingi não ver e me encurralei.
Permaneci deitado. Algo incomodava dos pés à cabeça. Envolvia-me o arrepio breve e calado. Eu não poderia continuar ali. Aquela areia movediça invadira minha ótica e certamente me mataria. Algo passou a me polarizar, como um canto da mulher que atrai os homens ao corpo de mulher. Levantei-me. Nenhum som, espaço; eu cravado ao chão como estátua viva de fogo. O mais lento quanto pude, empenhando músculos de um corpo todo, a primeira perna se posiciona passo à frente, a segunda seguindo-a de inicio repetindo a lentidão e logo assumindo um desespero voraz e acordando duas pernas.
Quatro passos a mais à parede.
A atração me insistia, me fixei frente o portal de matéria feita. Casei palmas das mãos no concreto coberto de tinta branca, e ficamos nós, mudos.
Eu em sintonia com os enigmas de uma parede que me tornava de amante e degustava as núpcias. Atraíra-me até lá como aranha atrai a presa com frio ao cobertor quente da teia. Ela. Cansada e violada. A mulher que parira dezoito filhos, um seguindo o outro; os filhos que não teve. Eu seria um filho da parede, aquela escarrada e merecedora de noventa chibatadas. Eu me caberia nela em demônio. Por entre os dedos sentia o umedecer de uma parede que iria me comer. Uma amante. Aquele edifício me seria a natureza do solo natal e quente. Eu me decompor-iria, ainda sentia na boca o vômito, iria adentrar a parede de vomito que começava a nos unir, derretia-se e eu me derretia e assim seríamos.
Meu corpo pesava a ponto de inclinar-se, afundar meus braços na matéria de parede, e meu peito caiu do tronco em âncora.
Eu sentia a diferença de atmosfera. O escuro. O outro plano. Havia uma pequena família de vermes aguardando o meu restante de pés e pernas e todo o restante que se esquiva como eu, sempre. Decidi que era o momento de me levantar e saber. Quando ergui meu corpo eu pude ver uma mulher. Talvez o que me atraíra. Morta, sepultada. De essência vívida, ela era o meu espanto de mim mesmo. Um corpo em constante decomposição e frequentes feridas em lepra, olhos purulentos e unhas putrificadas, dentes que ameaçavam exibir-se, eu temia o grito daquela mulher, que me mataria de pavor, temia o quanto ela me olhava fixa nos olhos. Uma amaldiçoada, a feiticeira composta em solidão. Emanava um aroma atrativo de flores. Talvez flores noturnas. Mas, flores. Trajava uma túnica amarela e acinzentada que se dissolvia conforme dela cresciam larvas.
Meu corpo desejou mais volúpia caminhar até ela, descobrira a libido, iria nutrir-se dela. Iniciaria pelo pescoço de pele seca e sangue coagulado, mastigando pouco a pouco, em desespero desordenado, até alcançar as unhas purulentas onde nasceria o adubo e o petróleo. Queria devorar seu seio petrolífero de mulher e os dentes de ouro na geografia de boca. Eu iria explorá-la e violentá-la, queria comer daquele cadáver, lamber os cabelos longos e escurecidos pelo ninho contrário à vida.
Em suas entranhas ela ardia o ódio, assovio rouco e quente, assim como eu. A filha do rancor e das crianças violentadas, fruto desonesto a terrenos e celestes. Chamaríamos mulher da vida se o gemido do inferno nos fosse comum, era perfeita a desposar-me.

(...)
Esforcei-me e me movimentei contra o denso da lama da parede vômito, levantado o corpo. Eu havia alcançado meu limite. No abafado do quarto um assovio de retorno me locomovia até o espelho e nada notei além de cabelos carregados de suor, um olhar fundo de rosto cansado, meu retorno à esfera cansada. Ali a certeza do não acontecimento sem resquício de terra me caindo aos ombros, apenas manchas de sangue do vômito em minha roupa. Eu quis ver em mim mesmo o que ocorrera e me refletia e me era o que me é o mundo.

Eu mataria a verdade de mundo. E meu encanto que se fora... Se eu tivesse o novamente pediria socorro de juventude, mas o ser que busca o detalhe mítico dos guerreiros reconhece o instante de se desfazer de estar em cena. Éramos meu cavalo branco e eu até que a peste nos alcançara e me proibira a fábula. Algo se movimenta dentro de mim e reclama autonomia, como um grito rouco e entorpecido pela raiva de uma nação enganada. O Senhor pronto devorando a Ingenuidade que nada valia, destruindo-a, tomando-a seu local originário. Um bebia do outro e não mais havia segredos àquele Senhor que exigia, decompunha e me fazia em argila, assumia novas formas, eu nascia até que Criança e Velho se fundissem em um conjunto que se diria ser o 'homem' e vivessem em harmonia. Eu me seria e então os segredos inéditos de um após renovação.

Enquanto eu me sei eu passo a língua na ferida de lepra, bebo do espelho que me mostra minha covardia de homem. Um escravo de direita encurvado pelas décadas incontáveis da alma e as menos de duas do corpo - experiências tão pequenas e censuradas pela conveniência. Suje meu corpo, eu não cessaria. Eu seria o doente e pálido. Eu seria infeliz. Eu beberia o veneno e conheceria as substâncias e nada mais seria arsênico ou ópio ou gratidão e carência. Eu seria um desgraçado que vaga por suas verdades que sempre seriam as mentiras para o mundo. Eu não mais seria a verdade do mundo como um pedaço de pão que sangra pregado a uma cruz de madeira. Eu rasgaria a verdade que consolo e arderia em deslealdade. Eu seria o futuro fruto do proibido, mistério de procriação inválida, maldita. Eu me deitaria com Maria Madalena. Eu mataria. Eu pediria por vingança. Eu gritaria minha inveja àqueles que venceram. Eu seria mais um doente, o excomungado Lázaro que disse não ao chamado e não reviveu. O açoitado mal queimado em altar que enfeita praça. Ouviria os gritos da multidão que não cessa em me promover o destino que me engoliria em chamas e me traria o êxtase de ser sem retroceder. Aquele ser concreto e com sentimentos concretos. Eu gritaria como um espírito diabólico aprisionado ao tronco de uma árvore. Eu seria a compaixão. Eu seria o inferno e o inferno seria eu. Eu admitiria. Eu admitiria. Como o homem é homem e serve a mulher, como a mulher é mulher e pertence ao homem.

[...]
E engoliria uma força que liberta do emaranhado contrário à vida. A carcaça seria mais do que drogas de segunda mão, já passadas do ponto de temperatura ideal.
Eu conheceria um ritmo, eu seria um tiro, eu teria amantes, eu beijaria o suor dos corpos, eu seria dentro de mim um conflito irreal.
Houvera o ritual da carne conhecendo face ligeira, rosto que aponta o maior impotência de vida em mim. Eu quero comer um animal vivo e não o calado. Eu quero matar outros homens, eu não queria estar a me matar... Gemer o grito degradado àquele rosto, o mais que me alcance grunhir. Esse êxtase atingiria o todo inconveniente em mim.

Rebenta o momento denso e escuro do calar da noite em que o homem pensa em procurar todos aqueles que magoou. Abandonou. Traiu. Metralhou. Sabe o quanto seria ignorado, atingindo a plenitude dócil de uma solidão escondida, incessante. Que se olha e se reconhece – inválido emocional, analgésico: idiota.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Buraco negro no Éter.

Soube que conforme se aproxima o inverno o mundo transborda em compaixão por si mesmo. Às vezes as pessoas magoam uma as outras sem necessidade. E nós, a suposta salvação do que denominamos Terra só pela insegurança de que um dia não seja mais exclusiva nossa, penalizamos os sábios que já se aventuraram mais do que nós. Iniciamos nosso trabalho de mágoa no lar, responsabilizando nossos pais por nosso mau condicionamento emocional. Em seguida mergulhamos ao devaneio de solucionar tudo através de romances clandestinos, proibidos e que definitivamente não eram de nossa natureza. Não porque não nos convém, mas porque não estávamos prontos a eles. Talvez até por ambição da estrutura alheia deixamos de ver a fragilidade adulta que, um dia fora adulterada tanto como a nossa; e cometemos o adultério do que não suportamos em nós por uma fórmula secreta que apenas utiliza de modo cruel quem prometemos amar e cuidar por todo o sempre. Escreve-se o nome da pessoa amada na areia da praia, com um graveto quebrado e mais forte que nós mesmos. Há também a inocência laranja de nome de amor como tijolo sobre o negro do asfalto.
Através disso recordamos a infância, sentimos uma falta tão grande de quando conseguíamos aceitar o bem e não fantasiar o mal do outro. É tão triste ver que mal consigo assumir que estou só, mal consigo dizer por mim. Escondo-me através do ‘nós’, que a mim significa mais um não de mim mesmo do que um 'nós' propriamente dito.
Um dia eu quero ver você e poder dizer que superei o que eu não poderia ser em mim.
Voltar no tempo e ver através do passado o quanto também errei e não mais pedir soluções a você, e não mais pedir em orações que eu não te veja próximo a outras pessoas e reverta isso ao sabor do abandono. Porque você desperta a crônica em mim. Eu me entrego ao desespero de te dizer o bem e sei que nada falo além de minha carência. Que quando não é atendida, eu revido como animal sem raciocínio. Como um jaguar que ao ser ferido não fica manso e piora ao que era. Quando eu descubro em mim a crueldade através do que eu era para que você me espiasse apenas um pouco. O ópio que me invadi em ódio da paternidade que ofendia o que a mim deveria ser amor me leva às vezes a esperar em ti a solução como uma forma única de esperança.
Eu soube de uma espécie de capela onde acreditei encontra-lo sempre e de repente me deparei com o vazio. Vejo que olhei a mim mesmo.
Há estórias sobre navios e trens que levam pessoas a lugares que as preenchem. Como quem sente falta de si mesmo e pede ao outro que o encontre. Através das falhas que comete teme acreditar sua importância ao outro pela insegurança de um adeus que não se pronuncia, mas se manifesta.
Sente-se o odor que mortifica o ambiente e gruda na pele.
Jura trabalhar em si mesmo e estar perfeito ao próximo encontro, consolo próprio que sabe que não faz.
Porque sei que a cada dia se esgota a água que fazia o delicado em mim e eu me tranco. Eu queria ter vivido a vida antes e te conhecer em outro plano para já saber ser sábio e bom quando te conhecesse.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

É tempo de transição.

Se não fosse tua ausência eu não seria ao menos eu.
Tua passagem fora breve, montado em seu cavalo de Tróia; cujo interior eu quis habitar como soldado imperador de teu reino.

Fora você a responsabilidade de meu reino anencéfalo.

Meus órgãos que despedacei num ritual pra alimentar-te - e temo reconhecer, recusaste a refeição. Não quero mais minha alma. Descartável como uma folha de outono, que não importa o quanto acreditei ser bela é brevemente seca e morta.

Se hoje venta com aroma de canela é feliz como um orgasmo ser humano.
Tão sujo e vil quanto a vida é real à vida, àquele que ama; que espera amor.

Se um pão seco alimenta, deixa-me ao menos sentir fome. O âmago pede a consagração da droga. Comerei terra o quanto precisar até habitá-la. Nela terei o amor que fecunda a vida. O amor que mata tanto que durante a ceia que se inicia passa a decompor a vida.

A podridão dos dentes estalando quentes entre as bocas que se engalfinham e se mordem humilhadas pela desnutrição e desidratação que sangra sem permitir salivar ou transpiração.

Um dia você me presenteou com um hálito tão quente de vida que só quem tem fome é capaz de produzir. Quero viver de seca e morrer de pobreza. A satisfação que não engana.

Se é covarde, seremos então. Compostos por um material feio e dolorido como um dente cariado.

E se minha inflamação te ama eu sou o habitat perfeito a qualquer vírus.

Não somos os malditos que perdem a pele negra para o vírus hereditário que invade o amor e mortifica aos poucos deixando a vida sem vida à vida. Eles são vitimados por nós que somos vida através da morte.

Teu corpo é oco como uma virgem sem ovário mas tua alma é bem mais rica que minha alma e meu corpo que um dia fora teu e virgem. Embora não tenha me tocado, embora não tenha me amado; embora tenha ido embora. A ti consagrei minha primeira noite. O inexiste agora tornara-se fluído concreto e flagela o que se diz do amor.

De repente se senta como um animal que perde a cria ao pior inimigo. Há somente a humilhação. Acende um fósforo e inflama o corpo dominado pelo álcool que jamais ingerira por ser vida fraca demais a isso. Em meio as chamas, enfim, vive o que queria dizer sobre o amor.
Só quem geme, sofre; no pranto até esgotar-se prova a paixão.
Se eu não tivesse sido por ti jamais poderia ser por alguém.

Tão áspero e delicado.

Lá se fora meu verão.

O grito é mais mudo que o próprio silêncio e o silêncio sim é manifestação. Missa que não magoa.

Havia sido estuprado pela vida que traçara. Devorara seu tumor.
A maior ofensa que entristece a verdadeira riqueza.

Fraco demais à felicidade.

Não temo compaixão que é composta de vergonha.

Se a mudança alterasse. Mas não há recursos.

Viver é ter dinheiro e ter dinheiro é pra quem tem vocação.

Se fosse você no meu lugar não sei quem seria. Mas eu no meu, sou apenas a estratégia que se humilha pedindo teu perdão.
E eu me vi feliz na escuridão de meu mistério interior.

Congelo-me no mar escuro e denso.
Não beijo mais tua boca. Trago apenas teu cigarro. Ali sim há essência do que te quis.

Às vezes precisamos aprender a amar o que nos faz bem.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

A Tela.

Não quis cair de saudade por hoje. Sim. Voltei a olhar o álbum em que colei as figurinhas de meu herói.
Não quis cair na expectativa também. Quando procuramos alguém sem saber parece tudo ser tão mais bonito.
Então, olhar nos olhos não é entender?
E algo sussurrava como sempre. Tão constante e me fazendo tão bem.
Ele ainda existe e será eterno.
Então algo cantava em mim.
E eu me vesti como se fosse vê-lo. Sabia que nunca estaria preparado o suficiente para um encontro com esse alguém, minha alma queria mais ver a dele do que um corpo pede pra ver o outro, beleza nunca seria suficiente. Caminhei por várias calçadas como se ele observasse-me.
O senti tão dentro de mim.
Pulsando tão sutil.
Absorvi cada centímetro de lembrança.
Cantarolei como se ele me ouvisse.
Assistia minha cena dentro de meu próprio espelho imaginário. Detalhava tudo para estar perfeito para compartilhar-me com ele.
Agradecia ao Supremo os momentos bem experimentados, a pouca maturidade que me ajudaria a chegar pelo menos perto do que tanto buscarei ser dele.
E sorria como quem sabe que sempre existirá. Em alguma Esfera ele sempre estaria em mim.
E eu ouviria a música de seu hálito no meu rosto.
E me recordo da sala com o solo quadriculado que eu precisava gritar, mas meu cérebro me silenciava com medo do brusco minerar em mim e recuá-lo.
Eu me vi dentro de uma oca de pedra e uma gruta feita por índios, onde ele esculpiu nas paredes algo abstrato e mudo que eu entenderia em um diálogo de sinestesia das sensações talvez de vidas passadas. Tinha absoluta certeza de que o esperarei em tantas outras vidas como nesta e que ele surgirá, enfim, nem que fosse como água na correnteza onde eu descanso e me alivio após cada batalha.
E a luz do palco se apaga esperando nossa próxima vez.

segunda-feira, 15 de março de 2010

O cadeado enferrujou.

Uma vez um menino um pouco mais velho me disse que uma mulher sofria por minha culpa e eu chorei.
Mais tarde disse-me que essa mulher morreria. E eu chorei.
Pouco tempo depois retornou a apontar-me mais pecados meus e fomos surpreendidos por um estranho mais velho e forte - que bateu forte no outro menino. - Eu chorei. Ele calou.
Tinha seis anos.
Depois cresci e nunca mais chorei.
Pude notar que uns nascem pra chorar de alegria, outros de tristeza. E têm também aqueles que nascem e chorar não lhes é de direito. Então vivem angustiados e simplesmente não choram.
Hoje caminho sozinho e fraco. Agir parece muito e sou um verdadeiro preguiçoso esquecido por pessoas que estão muito ocupadas com a própria felicidade. Ser feliz me é tão caro que sinto que ‘não dou conta’. Vem desde pequeno.
Idealizo muito uma pessoa quando foco-me nela; o que mais me desgasta é quando descubro que ela é tão insigne quanto a criei, meu único engano foi crer que eu faria parte da magnitude de sua digna felicidade.
Deu-me versos. Figuras na mão direita. Tudo para depois me deixar ancorado em sua falta.
Atrasei-me mais. O tempo é de sobra. Eu é que não o administrei.
O amor é de sobra. Eu é que não amo.
Desejo amar. Amor é um sentimento bom. E tudo o que é bom cobra-me muito e me cansa.
Eu quero ouvir a orquestra tocar.
E dessa vez idealizei um personagem que se inspira nas obras de Monteiro Lobato. Que se foi. Como toda lenda se vai. E todo cavalheiro valente não aceita o acompanhante que coleciona suas figurinhas adesivas. Daí surge os vilões. Revoltados no abandono do super herói. Meu orgulho está ferido; rebelarei-me por dentro. Tornar externo é reagir. Reagir é bom.
E tudo o que é bom custa-me muito.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Closer;

Eu só gritei por aqui. Para sobreviver.O que pulsou em mim foi uma rosa. As pétalas talvez jorrem de meus pulsos e manchem o chão. Mentira minha. O chão é a certeza singular. A visão romântica que tenho de tudo está aqui. Ser feliz parece tão difícil, uma revolução que não caberia em mim.
Estou despedaçado. Um homem quando sozinho se suicida.
Não que eu tenha prazer em sofrer e me mortificar. Apenas tenho necessidade de viver o amor. E muitas vezes a única maneira que temos de amar requer muito sofrimento. Não sei como usar palavras tão bonitas porque já nem sei o que é belo. E foi tão fácil me ignorar, esquecer que certamente estarei sentindo sua falta. E dentro da minha cabeça, meu peito, pele, todos os órgãos, algo grita seu nome a cada segundo, sempre mais alto.
A pior solidão é onde não lhe é de direito sentir falta de alguém. E sabe que isso não mudará, e transfere a saudade que sentia de alguém para outro alguém, porque enjoou de ouvir em sua alma sempre o mesmo nome. E sente como sabe que ninguém chamará por você, nem mesmo com o grito ou um simples sussurro.
Dói. Atrasa-me. Um homem solitário se suicida e a mulher que é bem mais forte sobrevive. Porque sabe que poderá ter filhos e amá-los. Homem não gera vida. Homem nada faz além de errar. E eu sou um homem e já fiz muitos outros sofrerem, e, sobretudo não me perdoo pelas mulheres que magoei.
O homem é o erro. O defeito do cromossomo. O que devia ser repudiado sempre. E é o que eu sou.
E sempre me cansa. É peso de mais não ser nada. Um ser rastejante sobre duas pernas fracas e mal lavadas.
Tem razão de me deixar, já carrega um peso por si.
Vai. E não pense jamais em voltar.E não se sinta minha âncora.
Embora desejo que volte. E volte como não era antes.

domingo, 24 de janeiro de 2010

Boteco sem estação.

Meu estômago e demais órgãos retorceram-se por quanto odiei não esperar tamanho nojo no sabor penetrante que parecia ter sal e certamente tinha com aquela química cara, mas nem tão rica que me tratara como um conjunto de peças com validade predeterminada enquanto me abriu um mundo que já fora desconhecido tirando-me do habitual torturante que massifiquei em meu viver por medo de cair. Amedrontar-se pela não garantia é o maior dos fracassos. A falta de saber como se atirar contra traz-nos pobreza por falta de acessíveis substituições. O contraste das datas entre ações feitas por corpos mostra que o que se passa de dentro para fora pode aparentar mais positividade se o individuo produtor maquiar por escolha o que tem a mostrar.
Quando o silencio não é interrompido por outros materiais vivos, os tecidos caem ao chão e eu descubro que o que eu queria mesmo era ir pra casa e nunca ter vivido neste ambiente da noite. O trauma não havia sido tão incessante. O fato é o efeito dos sintomas do gosto que parecem nunca termináveis. Talvez embriagar-me antes de tê-lo feito o faria um feito doloroso apenas depois de concluído e detalhado o previsível defeito não tendo consciência da poluição por todo o processo.
E lamento mais saber que te doei meu suor porque o queria ter feito para outro ser que apenas me sorri; embora aparentando sinceridade, segue seu percurso sem estacar para dar-me atenção.
Parece que me assombrará eternamente porque ao caminhar encontrei naturezas que não quero não ter então não apago a trajetória. A partir do iniciar-se o ciclo procuramos resultado finito. Eternizar é pesado. Por mais que repulse a gente engole o lixo para obter certeza de que se acabou. E dorme sem tranqüilidade no leito que agora não voltará a se aquecer com a pureza da expressão. Depende de cada um a certeza do incomum; como um caramelo que chegasse ao fim.