sábado, 20 de julho de 2013

VELHA EM MIM

Certa vez, quando ainda era jovem
Endividei-me, deslumbrado, com equipamentos
que cumpririam meu sonho de juventude
Caixas de som, jaquetas, microfones e um violão

 
Meus sonhos se foram
com a necessidade da vida de se seguir
E eu que pagava transporte para trabalhar
Fixei-me na ideia de não mais gastar dinheiro
em casos de inclinações


Em um fim de tarde, voltando do trabalho
deparei-me com uma senhora vendendo mel
No mesmo instante fechei meu mundo para o dela
Afim de que ela não levasse aquilo que era meu
Percebendo, ela se dirigiu a alguém que estava ao meu lado
Nunca a mim


E lhe pediu vinte reais por uma garrafa de mel da melhor qualidade
Sem sucesso, baixou a oferta para quinze
e depois, com olhos de quem procura em algo sem sabor
uma gota de esperança para manter-se lutando
(quem sabe se não por filhos pequenos)
implorou suavemente: ‘nem dez reais você não tem para me ajudar?’


Ouviu que não e seguiu em frente, sem nem falar comigo
que recusei sua proposta antes mesmo que a fizesse.


Senti dentro de mim que os sapatos daquela senhora
eram surrados como nada em mim foi, e suas pernas,
de tanto caminhar a procura de algo que o mundo esqueceu-se de ter,
estavam mais cansadas do que meu coração jamais estaria.


Nunca mais me curei da porção dela que ficou em mim.

3 comentários:

  1. João, simplesmente magnífico! Um texto que nos permite olhar dentro da história, ter vontade de ir comprar a garrafa de mel, que nos faz tristes, por saber que somos a pessoa fechada para o mundo, para os que nutrem esperanças de que poderíamos ajudar. Por ignorarmos que essa ajuda não é para quem pede e sim para nós, que gritamos socorro sem saber.
    Esse texto é motivante, nos permite reflexões, nos permite dar mais uma chance para a vida. Meus parabéns, por você ser você e muito obrigado por isso também!

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    1. Meu caríssimo. Obrigado pela valiosa visita e por ser poesia para o mundo.

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  2. É sempre bom ter suas palavras e sua existência.

    Obrigado por escrever também e por estar aqui...

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